A FENORTE foi criada em conjunto com a UENF para ser seu braço executivo, tanto em termos administrativos quanto de extensão de sua produção científica, intelectual e cultural, mas, por força da dinâmica política regional, e não de hoje apenas, acabou soterrada pelo fisiologismo eleitoral. A separação foi o único remédio, lá atrás, para que a UENF crescesse como instituição, embora ao preço do completo amesquinhamento de sua antiga administradora e do esmagamento de seu corpo técnico pelo baixo clero da política local.
Na semana que passou, vimos com certa surpresa a nomeação do ex-Reitor da UENF, Almy Junior, para sua Presidência em meio ao turbilhão político que desgasta o Governo do Estado. Na maré baixa da popularidade governamental, em nítido contraste com uma consagradora reeleição recente, abre-se uma nova janela para o encontro deste mesmo governo com as instituições geradoras de conhecimento e, a partir daí, uma nova forma de conceber a política pública como a realização de um bem público maior, metaparoquial.
Por mais estranho que pareça, as universidades públicas do Estado e aquelas federais e particulares aqui estabelecidas, até aqui, praticamente não fizeram parte direta da política regional a não ser naqueles inevitáveis espaços institucionais de fomento – onde o atual governo se destacou positivamente – e nos momentos reivindicatório-corporativos – onde a performance é destoante. Isto é intrigante pois as universidades são, por princípio, lugar de produção de conhecimento para ser difundido e apropriado de maneira ampla por governos, empresas e sociedade, de modo a propiciar o tão almejado desenvolvimento humano e tecnológico. Este é um diferencial que talvez poucos estados no Brasil saibam explorar, e assim mesmo em casos muito específicos, mas que é uma das razões, entre outras, do sucesso do clássico modelo ocidental e do mais recente heteredoxo modelo asiático de inclusão e desenvolvimento.
Quem acompanhou a gestão de Almy na UENF sabe de seu empenho pela projeção universitária para além-muros, sob a lógica da difusão da alta cultura e da inovação tecnológica e política, inclusive em termos de governança, como ficou patente em seu contínuo apoio às iniciativas universitárias e sociais em prol da participação social nos governos locais, em vários momentos, desde 2009.
Assim, sua condução à Presidência da FENORTE só pode suscitar boas expectativas, para além das naturais disputas paroquiais e as inevitáveis lutas pelos aparelhos de Estado. Como o governo recém-reempossado ainda tem muito mandato pela frente, é possível que queira se reposicionar depois dos desgastes sofridos, inclusive na questão das desapropriações de terras em São João da Barra e das reiteradas recusas em participar de eventos públicos, com participação social, para discutir este e outros temas afeitos ao desenvolvimento regional.
O momento da indicação não poderia ser mais oportuno em termos de conjuntura econômica, em face das mudanças que se avizinham em toda a região Norte do estado e também do Sul do Espírito Santo. As grandes obras de infraestrutura em andamento sugerem e possibilitam grandes mudanças, para o mal e para o bem, em todas as cidades do entorno, e precisam, para que prevaleça os bons corolários, que o Estado, em todos os seus níveis, se coloque em posição ativa de promoção do bem público, sem exclusivismos e provincianismos, operando em rede com a sociedade, as universidades e interpares.
A tarefa não é fácil, reconheceu o próprio ex-Reitor em entrevista ao Blog do Roberto Moraes[1], mas vale a pena se correr os riscos – que são muitos – quando se tem uma vocação e uma retaguarda de peso como aquela constituída por diversas universidades locais, tais como a UENF, o IFF e a UFF, para ficarmos só nas públicas, e a gama de quadros de alto nível consagrados ao seu funcionamento, além daqueles por elas formados ao longo dos anos, sem esquecer da sociedade organizada independente.
Os riscos não provêm apenas dos governos com os quais o novo Presidente terá que interagir, mas também dos entes privados. De um modo geral, a sociedade civil local encontra-se em estado avançado de prostração – quando não de subserviência – diante de um setor público empoderado não só por razões históricas – somos todos descendentes de subcidadãos esmagados por séculos de governos elitistas e oligárquicos –, mas também por regras que regem nossa democracia e o uso de recursos públicos sem nenhum controle social ou mesmo institucional – como dizia Levir Magalhães (in. Lima/2007)[2], Diretor da Associação de Moradores da Lagoa do Vigário, em Campos, “o voto corrompe, tanto o político como também o eleitor”.
Nessa trágica equação, o novo poder econômico que se avizinha não suscita muitas esperanças. Os empreendedores do próprio Complexo do Açu, em fase de constituição, parecem mais comprometidos com as relações privilegiadas com o poder político, que lhes garante conforto e celeridade, do que com uma relação franca e dialógica com a sociedade organizada, como apregoam seus ideólogos e propagandistas. Ao invés da política de Gestão Integrada de Território, que exige uma mudança inovadora na ótica consagrada da responsabilidade social das empresas em relação ao social e ao político, o que se observa, até aqui, é uma gestão controlada de território, com intervenções tópicas e protuberantes – como aquelas amiúde promovidas pelos gestores públicos –, carentes de sustentabilidade por pura falta de planejamento, debate e meios adequados, e, por isso mesmo, incapazes de produzir mais do que efeitos eleitorais e anestésicos imediatos.
Oxalá, a nomeação de Almy sirva para, pelo menos, contrabalançar esta melancólica realidade e mostrar o potencial de um novo bloco histórico, mesmo que em escala local, capaz de nos levar ao desenvolvimento global.
Hamilton Garcia de Lima
(Cientista Político/UENF, <hamilton@uenf.br>)
São João da Barra, 04/07/2011
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