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terça-feira, 19 de julho de 2011

A Falta de Uma Gestão Integrada do Território

Já no século XIX, Auguste Comte (1798-1857) fazia escola adotando o método científico para a análise dos fatos sociais e, à luz de Francis Bacon (1561-1626), estendeu a percepção do prever e do poder ao que ele chamava dimensão "político-moral". Ficava assim, no nascimento da Sociologia, a intenção de que o conhecimento gerasse tecnologia para um mundo melhor para a humanidade – na esteira daquilo que Adam Smith (1723-90) já havia definido como verdadeiro desenvolvimento.

De lá para cá, o desenvolvimento acabou sendo apropriado de maneiras muito diferentes pelo mundo afora gerando diversas formas de modernidade. No caso latinoamericano, em especial o brasileiro, a modernidade foi implantada, por assim dizer, sob a égide de uma cultura mercantilista estrito senso, deixada como legado ao país pela colonização lusitana. Dentre as características mais marcantes deste modelo colonizatório destacamos o patrimonialismo burocrático, forma de articulação entre o interesse privado de uma elite capitalizada com as estruturas de um Estado oligarquizado. Esta forma de governo, não apenas do econômico, nos distingue ainda hoje de países mais bem-sucedidos, centrados quer na primazia do mercado (tradição angloamericana), quer do Estado racionalizado (tradição germano-nipônica).

Não que ignorássemos estes exemplos; até tentamos copiar os norteamericanos e chegamos mesmo a protagonizar uma articulação conservadora-tecnocrática à moda germânica, mesmo que atenuada, durante o período militar. Ocorre, todavia, que somos diferentes. Entre nós, o aceleramento do crescimento está quase indissoluvelmente ligado ao privilégio do financiamento público subsidiado por um Estado intrinsecamente irracional do ponto de vista da governança – Vargas e 1964 são pontos fora da curva nesse modelo –, tendo como contrapartida o financiamento subterrâneo da classe política detentora do poder no executivo, legislativo ou mesmo judiciário. Neste ambiente, é muito difícil obter o efeito multiplicador pela sociedade da racionalidade oriunda do privado.

É o caso do empreendimento do Açu, à princípio um caso de brilhantismo empresarial de Eike Batista e seu grupo que parece agora maculado por uma relação tradicional de troca com os governantes e de ágorafobia com a sociedade. Fiquemos com esta última evidência.

Nas duas oportunidades em que o Movimento Nossa São João da Barra (MNSJB) convidou o Grupo EBX e a Prefeitura (PMSJB) para discutir as ações compensatórias para o Complexo do Açu – em maio, na II CLCS, e em julho, no Seminário Temático de Agricultura –, visando compartilhar visões acerca do território entre todos os segmentos implicados, as respostas foram assimétricas e inconsistentes. Enquanto a PMSJB firmou compromisso de diálogo franco e aberto em maio, na voz da própria titular do cargo, o Grupo X agiu de maneira confusa, enviando uma delegação desconcertada, sendo que ambos simplesmente não apareceram na reunião de julho onde se discutiría políticas concretas.

Estes desencontros não são gratuitos, antes correspondem a padrões comportamentais arraigados que contrastam com a retórica oficial de modernidade e deixam claro que a distância entre intenção e gesto, no nível das elites, não é menor que a resistência ao novo por parte das populações rurais. Na verdade a população rural e a elite empoderada receiam mudar por motivos diferentes, que valem a pena ser discutidos.

Enquanto os empresários e os políticos têm a boca torta dos que historicamente sempre menosprezaram nossa mestiçagem, forjada na força bruta da Casa Grande sobre a Senzala, os trabalhadores, moldados sob o pelourinho, receiam sempre ficar com os espinhos sem sentir o cheiro das flores. No primeiro caso, de fato, a rotina fácil da cooptação pelo uso do dinheiro ou do poder público desestimula a busca de seu antídoto na participação dos movimentos em rede, como o MNSJB, que oferecem a possibilidade de um debate técnico-político de alto nível com lideranças populares, especialistas, políticos e empresários. De que outra forma conseguiríamos isto: durante as eleições, nos debates parlamentares, nos partidos?

Os empresários e políticos preconceituosos criticam o povo por ser desinteressado e arruaceiro, mas, ao cabo, diante de povo distinto, fogem todos da raia, o que revela o que realmente pensam: que o povo evoluído mais atrapalha do que ajuda – daí preferirem o aconchego dos conchavos em resorts ou em trânsito nos jatinhos.

O povo, em seu baixo nível de solidariedade, acaba sendo manipulado em suas contradições, por achar impossível outra alternativa. Não se pode condená-los, embora se deva criticá-los, pois, afinal, são quase todos descendentes dos pelourinhos e conhecem de perto o preço da dissidência. Como fazer este segmento popular acreditar na possibilidade de um pacto positivo pelo desenvolvimento diante da omissão conveniente do poder público, local e regional, e do poder privado – mesmo que educado na Suíça?

Às universidades cabe o papel de contraponto, mostrando que a elite intelectual não se presta a esse jogo da conveniência das elites políticas e econômicas – exceção feita à Câmara de Vereadores de SJB e à algumas cabeças arejadas da de Campos – e que é possível usar a razão (prever) para melhorar a vida (poder). Foi o que tentamos fazer neste seminário sobre políica agrícola, com o apoio dos micro e pequenos produtores do 5º Distrito de SJB, dentre outros, mas este esforço pode se perder sem o concurso dos poderes.

Que modernidade querem, afinal, a PMSJB e a EBX? Aquela para todos – por isso compartilhada e integrada em seu planejamento e desdobramentos –, como prometem, ou aquela para si mesmos e. por isso, avessa ao público independente?

É hora de apostar na modernidade plena, aquela cuja chave, disponível desde o séc. XIX, nos possibilitará superar o modelo excludente de crescimento que é a marca de nosso empresariado e de nossos governantes, por mais populistas que sejam.

Hamilton Garcia de Lima

(Cientista Político/UENF, <hamilton@uenf.br>)

São João da Barra, 17/07/2011

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